Sanjoaninas 2024 celebram os 50 anos do 25 de Abril

As maiores festas dos Açores regressam à cidade de Angra do Heroísmo no próximo mês de junho. Guido Teles, Vice-Presidente da Câmara Municipal, afirmou que “nesta edição comemoramos o 50.º aniversário do 25 de Abril, uma revolução que se tornou um marco inegável para a democracia portuguesa, influenciando profundamente o curso da história política e social do país”.

O tema, “Angra: teu nome é Liberdade”, foi idealizado pelo escritor Joel Neto e o cartaz foi criado pelo designer Rúben Quadros Ramos.

Entre 21 e 30 de junho de 2024, as Sanjoaninas prometem encher as ruas da cidade de Angra do Heroísmo com concertos, gastronomia, tauromaquia, desporto, desfiles, exposições e marchas populares, num encontro de gente e tradição bem característico da ilha Terceira.

TEMA

Autor: Joel Neto

«Angra verdadeira coroada de trabalho de sofrimento/» – escreveu o poeta – «senhora de nunca sabida crónica esquecida de teu povo/ de formigueiros imperscrutáveis que correm no sigilo de teu sangue/ minha pequena cidade cosmopolita/ metrópole infindável de aventuras e sonhos de maré.»

Pois essa Angra que Marcolino Candeias cantou – e que Santos Barros, e Emanuel Félix, e Álamo Oliveira, e tantos outros cantaram – junta-se em 2024 às grandes e pequenas cidades, vilas e aldeias de todo o país para celebrar a democracia. Nada menos do que os primeiros 50 anos do 25 de Abril, o mais longo período de paz e prosperidade da história de Portugal e, ao mesmo tempo, a insofismável origem da autonomia dos Açores.

E celebra-os com não pouca propriedade. Uma das casas do liberalismo iluminista nacional, cidade republicana, exultantemente interclassista e irredutivelmente popular, Angra do Heroísmo foi sempre não apenas um lugar de chegadas e partidas, caloroso e mundividente, mas uma urbe de progresso e de mudança.

Do seu traçado saíram a arquitectura e o urbanismo que as grandes navegações disseminaram pelo mundo e pelas florestas à sua volta espalha-se a flora que trouxeram de volta. Nas veias do seu povo corre sangue ibérico, flamengo, africano. Nos seus dúbios cárceres viveram como no paraíso prisioneiros portugueses, moçambicanos ou alemães. Na sua gastronomia estão os sabores da Índia, da Jamaica e do Brasil.

Escolheu sempre incluir, Angra, e acarinhou a diferença como poucas – inclusive quando era mais difícil. Como em Ode a Angra Minha Cidade em Tom de Elegia, mais uma vez: «Todos os teus empregados sindicalizados e/ não sindicalizados tuas empregadas/ domésticas muitas delas/ raparigos extremosos e prendadíssimos/ que esta sim é tua verdadeira memória/ é tua grande e presente memória de necessitados/ e oprimidos/ memória presente de todos os outros que vivem apagadamente/ de um ordenado menor de gente menor/ e esquecida na soleira da porta.»

Ah, Angra da poesia e da literatura. Angra da Europa e da civilização. Angra do mundo. Angra subversiva. Angra do Espírito Santo. Angra de Brianda Pereira. Angra do Carnaval. Angra de Abril – «Minha cidade de arredores bem/ São Carlos de quintas e laranjais/ cidade minha de arredores mal/ São Mateus da Calheta cheio de vendas e pescadores./ Oh Angra cidade única e minha/ cidade de nevoeiro encantado / silenciosa/ memória alongando-se pela bruma esvanecendo-se/ já não de D. Pedro IV mas tu cidade/ em ti própria renascida outra memória/ verdadeiramente tua/ a de/ teus marginais/ a de/ teus infelizes operários teus pescadores do Corpo Santo/ teus esfumados reformados em seus passos mudos/ teus engraxadores rezingões sumidos na insignificância.»

Ah, Angra – mui nobre, leal, sempre constante e sobre as demais livre cidade de Angra do Heroísmo. «Minha mistura de pirolito e vinho de cheiro/ craca de cinco bicos na lapa da baía nascida/ cálice meu perfumado/ de aguardente da terra/ massa sovada e suada/ no alguidar de teu rosto.» Angra da liberdade. Celebremo-las a ambas, a uma e a outra. Que mais poderíamos fazer, «nesta terra cidade minha meu povo/ a nossos corpos a nossas mãos a nossos braços/ diante deste espaço de ondas inquietas?»

CARTAZ

Autor: Rúben Quadros Ramos

Antes de apresentar o cartaz das Sanjoaninas 2024, será interessante enquadrar a ciência e a arte por detrás da criação de cartazes.

É fascinante como este objeto consegue ser tão frágil e tão poderoso, em simultâneo. A sua fragilidade advém do próprio papel, tão suscetível ao rasgo, à temperatura ou à humidade. Já o poder do cartaz reside na mensagem que transmite, que pode mudar o pensamento individual e, por acréscimo, de comunidades inteiras.

Quer seja para transmitir alegria, esperança, medo ou raiva, os cartazes são eficientes veículos de comunicação de carácter público.

O que hoje consideramos um cartaz, isto é, uma composição com imagem e texto, teve origem no século XIX, fruto da contínua evolução da técnica, que já passou pela xilogravura, litogravura, entre outros, até às atuais tecnologias digitais.

Contudo, se olharmos para o cartaz como um objeto que transmite informação de interesse coletivo, talvez possamos ir até ao Império Romano, que recorria ao cartaz para publicitar leis e avisos, indispensáveis ao funcionamento dessa sociedade no seu vasto território.

Hoje, criar um cartaz é tão pertinente quanto há 2000 anos. É uma ferramenta imprescindível para a vida em comunidade e, por isso, um testemunho visual da evolução social e cultural.

Face a este contexto, não deixa de ser significativo que o primeiro ato oficial de cada edição das Sanjoaninas resida na apresentação do seu cartaz.

Assim, apresento o cartaz das Sanjoaninas, que decorrerão em Angra do Heroísmo entre 21 e 30 de junho, e que em 2024 celebram os 50 anos do 25 de Abril, sob o tema “Angra: teu nome é Liberdade”.

A revolução de 25 de abril de 1974 derrubou o regime ditatorial do Estado Novo. Além de melhorar a segurança social, o sistema educativo e o serviço de saúde, a mais importante conquista da Revolução dos Cravos foi a descentralização do poder, que permitiu às autarquias locais adquirirem a liberdade e a autonomia necessárias para gerir o seu território, de acordo com as necessidades da população. Foi a partir desta nova forma de governo, focada nas demandas de cada comunidade, que Portugal conseguiu modernizar-se, através do investimento nas estradas, no saneamento básico, na corrente elétrica, entre outros. Foi efetivamente o poder local de todo o país que, na sequência do 25 de Abril, devolveu a dignidade e a qualidade de vida ao povo.

Será importante referir que a História de Angra é também uma epopeia de lutas pela Liberdade, de que são exemplos as contendas com os espanhóis nos séc. XVI e XVII, os confrontos liberais no séc. XIX e a conquista da Autonomia em 1976. Esta cidade sempre se pautou por um grande sentido de Liberdade, digno da sua centralidade na História da Terceira, dos Açores e de Portugal.

O cartaz que hoje se apresenta tem um estilo gráfico que lembra os pósteres turísticos de Portugal das décadas de 60 e 70, com cores pastel e veranis. Quanto ao desenho em si, trata-se de uma representação estilizada da Praça Velha adornada de cravos, o símbolo máximo do 25 de Abril. Em primeiro plano estão os Paços do Concelho a hastear a bandeira de Angra do Heroísmo, numa alusão à importância das autarquias locais após a revolução. No plano de fundo, está o casario característico da cidade (um elemento visual da marca Sanjoaninas). Estão também o monumento da Memória e a Igreja da Sé (ambos marcos reconhecidos de Angra). Esta figuração no coração da cidade, é igualmente um tributo à Praça Velha, enquanto ponto de encontro do povo nas suas inúmeras lutas pelas liberdades, direitos e garantias ao longo da nossa História.

Pessoalmente, tenho muito gosto em fazer este cartaz. É sempre um desafio interessante e uma oportunidade para explorar novos caminhos visuais de reinterpretação da cidade e das Sanjoaninas. Espero que este cartaz não seja apenas um postal para as festas, mas uma homenagem a esta cidade que personifica a Liberdade.

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