Projeto “Artesanato Local e Poluição Visual”

A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo aceitou o desafio lançado pela Organização das Cidades Património Mundial (OCPM), e realizará uma entrevista por mês a um artesão local. O projeto “Artesanato Local e Poluição Visual” tem como objetivo demonstrar e divulgar as raízes e tradições de todas as cidades que fazem parte da organização, promovendo em simultâneo a arte e o artesão, com o intuito de solidificar a presença destas artes e ofícios tradicionais na comunidade local e dar a conhecer além fronteiras.

Entrevistado: Ricardo Jorge Machado Simas , 40 anos, Olaria de São Bento.

Câmara Municipal de Angra do Heroísmo (CMAH):­ Com que idade começou a praticar a sua arte?
Ricardo Simas (R. S.): Comecei a praticar a minha arte com 6/7 anos após o sismo de 80 com o tio. Vinha para a olaria principalmente nas férias escolares.

CMAH­: A família teve alguma influência no seu interesse por esta arte?
R.S.: ­“Brinquei” na Olaria de São Bento que era do meu tio até aos 12 anos. Mais tarde regressei à Olaria com 19 anos para ficar de vez à frente do negócio, após convite da Junta de Freguesia, de modo a prolongar a tradição e a fazer com que as Olarias na ilha terceira não cessassem a sua atividade.

CMAH:­ Os seus filhos/familiares mais novos demonstram o mesmo interesse pela sua área?
R.S.­: As minhas filhas demonstram interesse, mas percebem as dificuldades que estão implícitas no fabrico das peças, pois exige muito tempo e é um trabalho pesado o que faz com que o interesse não se desenvolva num desejo de continuar a assegurar esta tradição.

CMAH:­ O artesanato é a sua profissão ou é uma ocupação/fonte de rendimento extra?
R.S.:­ É a minha principal ocupação, é a minha profissão há já 21 anos, sendo visto como um negócio que ainda tem saída, especialmente para uma pessoa que não tem estudos. No entanto, o negócio já foi melhor e a crise faz­se sentir também nesta área. A minha principal fonte de receita é o Alguidar de Alcatra que é tradicional da ilha terceira e é feito com materiais da ilha terceira.

CMAH­: Sente dificuldade em captar/despertar o interesse das novas gerações pela sua arte?
R.S.:­ Já tive algumas visitas das gerações mais novas, mas todos com o gosto e interesse pela arte em si e pelo artesanato enquanto passatempo, não tendo objetivo de fazer da olaria a sua profissão.

CMAH­ Classifique a evolução da sua arte nos últimos 20 anos?
R.S.:­ Houve uma evolução muito grande, até há 3 ou 4 anos só trabalhava com barros das ilhas dos Açores e fazia apenas olaria tradicional. Comecei recentemente a introduzir barros brancos e surgiu a necessidade de vidrar estes barros, em fazer faiança. Esta necessidade surgiu da acordo com o pedido de clientes, e de forma a tentar sempre satisfazer o cliente, opto por introduzir estas alterações. A olaria tradicional continua no entanto a ser o principal foco do meu trabalho.

CMAH:­ Qual a sua maior fonte de rendimento a nível de clientes? Habitantes locais ou turistas?
R.S.­: Os habitantes locais são os meus maiores e melhores clientes com pedidos diversos não só da olaria tradicional, mas também de faiança. Os turistas que estão em excursões não incluem no roteiro uma passagem pela olaria, no entanto turistas que visitam a nossa ilha por conta própria acabam muitas vezes por visitar a olaria em busca de satisfazer a sua curiosidade em ver como é fabricado os alguidares de alcatra, e acabam muitas vezes por adquirir as peças. Outras visitas regulares são os turistas que tem o gosto pelo artesanato. Não fecho a porta a uma possível inclusão da olaria num roteiro turístico mas, o mesmo implicaria algumas alterações logísticas, pois a olaria funciona muito como uma oficina e não como um local de vendas ou de exposição de produtos.

CMAH­: As suas vendas variam com a sazonalidade (épocas do ano, Verão vs Inverno)?
R.S.: ­Vendo muito após a páscoa, este fato está relacionado com as tradicionais funções e bodos. Assim as vendas começam a aumentar no período seguinte à páscoa e prolongando­se a bom ritmo até outubro, mês em que findam as festas das freguesias. O turismo tem também uma influência nesta sazonalidade, pois como o maior número de turistas que visitam a ilha é no verão, há uma procura do setor da restauração para adquirir novos alguidares.

CMAH:­ Como analisa a continuidade e longevidade da sua área de artesanato?
R.S.: ­O mercado é que vai ditar um pouco a sentença, enquanto houver procura suficiente pelos produtos a arte mantém­se, mas caso haja uma queda nesta procura dificilmente este ofício se manteria como o oficio principal e cairia assim para um passatempo.

CMAH:­ Qual o fator que mais diferencia a sua arte das outras?
R.S.­: O fator distintivo é a matéria prima utilizada neste ofício, é esta que marca a diferença pois uso muito o barro local.

CMAH:­ Se tivesse que expor o seu trabalho em algum país europeu, qual escolheria? Porquê?
R. S.­: Gosto muito de trabalhar a um nível local, quanto à oportunidade de expor no estrangeiro é algo que felizmente já tive oportunidade para fazer, ao ter participado numa mostra de olaria na Rússia em, que o principal beneficio foi mesmo o intercâmbio entre oleiros de diferentes países, não havendo um benefício económico. Com base nesta experiência valorizei muito o intercâmbio a nível de troca de diferentes técnicas de fabrico e produção, o que identifico como sendo uma desvantagem a nível local, pois existem poucos artesãos com quem discutir e aprender novas técnicas.

CMAH:­ Na sua opinião, como classifica os apoios dados ao artesanato?
R. S.: ­Não estou muito por dentro do assunto, no entanto o único projeto a que recorri que foi com o apoio da Grater, e foi bem sucedido.

CMAH:­ Tem se falando muito na modernização dos processos de artesanato, concorda? Porquê?
R. S.: ­Concordo com a modernização dentro de uma certa medida, em que haja apenas um auxilio que permita poupar o gasto e desgaste do corpo, mas que não interfira com a técnica tradicional. Por exemplo tenho uma roda de olaria elétrica que me poupa o esforço a nível físico mas que em nada interfere com a técnica manual utilizada na produção das peças. Adquiri também novos fornos que tem instrumentos dentro que me indicam qual a temperatura, o que me permite um melhor controlo da cozedura das peças. O combustível também muda, são fornos a gás em detrimento dos fornos a lenha.

CMAH:­ Qual foi o momento mais feliz/marcante da sua carreira, o mais difícil e mais engraçado?
R. S.: ­Ao fim de 21 anos nesta profissão há sempre altos e baixos mas, houve uma altura em que devido ao clima não conseguia que as peças secassem, e tive cerca de 5 meses sem produzir. Quando chegaram os fornos novos, tive também de desperdiçar algumas peças até acertar com a temperatura da cozedura correta para o barro açoriano, pois os fornos novos tornaram necessário fazer alterações a nível da indicação da temperatura da cozedura que foi feita por parte dos fornecedores, e com os testes até se chegar à temperatura correta desperdiçaram­se algumas peças.

Como pontos altos tenho a produção das lembranças que se oferecem aos grupos de folclore que participam no Festival COFIT, e a produção dos pratos utilizados no festival gastronómico 10 Fest em São Miguel.

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