A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo aceitou o desafio lançado pela Organização das Cidades Património Mundial (OCPM), e está a realizar uma entrevista por mês a um artesão local, sendo que neste mês de outubro foi realizada ao artesão João Diniz – Latoaria Dinizartes. O projeto “Artesanato Local e Poluição Visual” tem como objetivo demonstrar e divulgar as raízes e tradições de todas as cidades que fazem parte da organização, promovendo em simultâneo a arte e o artesão, com o intuito de solidificar a presença destas artes e ofícios tradicionais na comunidade local e dar a conhecer além fronteiras.
Entrevistado: João Diniz, 44 anos – Latoaria Dinizartes;
C.M.A.H. – Com que idade começou a praticar a sua arte ?
J.D. – Comecei a praticar aos 41 anos.
C.M.A.H. – A família teve alguma influência no seu interesse por esta arte ?
J.D. – Sim, ao início deram algumas orientações, na indicação de algumas peças antigas e informações sobre as mesmas mas, sendo eu um autodidata, comecei esta arte por minha iniciativa, não tendo antecedentes na família que já fizessem trabalhos deste género. A minha formação como bate-chapas facilitou o começo desta arte.
C.M.A.H. – Os seus filhos/familiares mais novos demonstram o mesmo interesse pela sua área?
J.D. – O meu filho mais velho, de 14 anos, é curioso em relação ao que estou a fazer e o mais novo, de 6 anos, esteve comigo numa feira, tendo imitado o que eu estava a fazer numa bigorna.
C.M.A.H. – O artesanato é a sua profissão ou é uma ocupação/fonte de rendimento extra ?
J.D. – Neste momento é um rendimento extra, sendo que a minha esposa trabalha e eu, de momento, estou a ver se consigo expandir a minha arte e viver do meu trabalho como latoeiro.
C.M.A.H. – Sente dificuldade em captar/despertar o interesse das novas gerações pela sua arte?
J.D. – Na verdade nunca tive ninguém que se mostrasse interessado em aprender, mas sim gostaria de transmitir aquilo que sei, pelo menos aos meus filhos, gostaria que aprendessem a fazer uma lata, isto porque, sabendo fazer uma lata, é o ponto de partida para qualquer outro trabalho. Houve uma exposição em que participei, na qual um miúdo veio ter comigo porque queria comprar uma bilha para a sua coleção e para brincar em casa, isto é, os mais novos começam também a querer manter as tradições.
C.M.A.H. – Classifique a evolução da sua arte nos últimos 20 anos.
J.D. – Eu faço parte da Associação de Artesãos do Divino Espírito Santo e, uma vez numa feira no Alto das Covas, a artesã Mercês Sampaio veio falar comigo e disse que havia uma lacuna da arte de latoaria, estando mesmo em extinção, na ilha Terceira, uma vez que único senhor que trabalhava em latoaria já tinha a sua idade, sendo que chegamos a trocar algumas ideias mas o meu percurso nesta arte fui fazendo sozinho.
C.M.A.H. – Qual a sua maior fonte de rendimento a nível de clientes? Habitantes locais ou turistas ?
J.D. – Existem boas vendas para os dois tipos de clientes, de verão as minhas vendas são maioritariamente para os turistas e emigrantes que nos visitam, no restante ano sou procurado por alguns locais, quer para reparação de peças ou fabrico de novas, no entanto, a maioria dos locais ainda não sabem da existência da Latoaria Dinizartes, começando a passar a palavra entre si, muitas vezes para reparação de peças antigas que tenham em casa, outros comprar algumas peças para não se perder a arte e por gosto pessoal.
C.M.A.H. – Qual o fator que mais diferencia a sua arte das outras ?
J.D. – Muito provavelmente o que diferencia o meu trabalho é o facto de utilizar materiais como a chapa, em que é necessário soldar os materiais e, para se fazer um trabalho destes, é preciso ter muita paciência e gosto pela arte. No meu trabalho gosto de manter e recuperar peças antigas, como as coroas do espírito santo, mas também gosto de inovar e fazer algumas peças diferentes, sempre com preços acessíveis.
C.M.A.H. – Se tivesse que expor o seu trabalho em algum país qual escolheria? Porquê?
J.D. – Gostaria de expor em Espanha, isto porque as reações dos turistas espanhóis aos meus trabalhados têm sido muito boas, adoraram uns presépios que fiz, tendo mesmo levado. Gostaria também de expor na América e no Canadá, principalmente nas comunidades emigrantes, onde estão residentes muitos terceirenses que apreciam este tipo de artesanato.
De salientar que também seria importante expor nas restantes ilhas do Arquipélago dos Açores, isto porque também apreciam e compram as peças que faço.
C.M.A.H. – Na sua opinião, como classifica os apoios dados ao artesanato?
J.D. – Eu nunca pedi apoios, para mim é importante a cedência de um espaço para poder expor os meus trabalhos e ajudar na divulgação da minha arte, como por exemplo nesta iniciativa da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, que tem um alcance local, nacional e até mesmo internacional.
C.M.A.H. – Qual foi o momento mais feliz/marcante da sua carreira, o mais difícil e mais engraçado ?
J.D. – Feliz: Foi a minha primeira participação numa feira de artesanato, onde foi possível perceber a reação das pessoas ao meu trabalho, muitas delas deram os parabéns por estar a manter uma arte que estava em vias de extinção na ilha, é uma forma de me dar força para continuar o que faço.
J.D – Difícil: O mais difícil foi quando quis começar esta arte, porque tive de procurar informação na internet e pouco ou nada havia. É complicado arranjar as ferramentas, levei dois anos até encontar o material necessário para começar, tendo que, no início, cortar o material todo à tesoura.
J.D – Engraçado: É engraçado as reações das pessoas ao meu trabalho, algumas brincam com a expressão “é preciso ter lata…” e eu respondo não, é preciso é ter chapa, porque sem ela não se pode fazer a lata.