Projeto “Artesanato Local e Poluição Visual” – Pastelaria “O Forno”

A Câmara Municipal de Angra do Heroísmo aceitou o desafio lançado pela Organização das Cidades Património Mundial (OCPM) e está a realizar uma entrevista por mês a um artesão local. O projeto “Artesanato Local e Poluição Visual” tem como objetivo demonstrar e divulgar as raízes e tradições de todas as cidades que fazem parte da organização, promovendo em simultâneo a arte e o artesão, com o intuito de solidificar a presença destas artes e ofícios tradicionais na comunidade local e dar a conhecer além fronteiras.

Entrevistada: Sr.ª Ana Maria Pimentel Pereira da Costa, 73 anos – Pastelaria “O Forno”

Câmara Municipal de Angra do Heroísmo (CMAH) – Como surge esta atividade e a sua ligação à Pastelaria?
Ana Costa (A. C.) – A pastelaria O Forno está prestes a fazer 30 anos. Surge numa altura em que era moda as boutiques de pão quente aliadas à pastelaria tradicional. A nossa pastelaria apostou em fabrico próprio com produção à vista e tem sido um sucesso. Alguns anos mais tarde é que tive necessidade, juntamente com o meu filho de tomarmos o comando do negócio, e foi ai que me apercebi, que havia uma lacuna no que respeitava à doçaria regional da terceira, tanto de origem conventual, como aquela com que se deliciavam as famílias burguesas de Angra.

CMAH – A família teve alguma influência no seu interesse por esta arte?
A. C. – Sim – muito diretamente. O meu pai tinha uma das melhores pastelarias da sua época – a Pastelaria Lusa – na Rua Direita aqui em Angra, que durante anos marcou pelo requinte e qualidade dos seus produtos. A Lusa e eu, nascemos na mesma década de 40 do século passado, e portanto, vivi a minha infância e adolescência numa doce ambiência ligada a este ramo de negócio. Quando tive necessidade de produzir doçaria regional, sabia o que tinha pela frente além de ter acesso às receitas manuscritas da família que estavam guardadas em segredo de geração em geração.

CMAH – Os seus filhos/familiares mais novos demonstram o mesmo interesse pela sua área?
A. C. – Tenho um casal de filhos.O meu filho que vive cá certamente dará continuidade à pastelaria. Ajuda-me muito na parte administrativa sendo muito crítico e exigente com a produção e o atendimento ao público, reunindo as condições necessárias para dar essa continuidade, aquilo a que nos propusemos.

CMAH – O artesanato é a sua profissão ou é uma ocupação/fonte de rendimento extra?
A. C. – A gerência da Pastelaria “O Forno” é a minha profissão.

CMAH – Sente dificuldade em captar/despertar o interesse das novas gerações pela sua arte?
A. C – Não sinto qualquer dificuldade. Há boas escolas nos Açores a formar jovens com eficiência, tanto na área de produção pasteleira como no atendimento ao balcão. Tenho funcionários (gosto mais de chama-los colaboradores) que passaram por essas escolas, que vieram fazer estágio no Forno e ficaram a trabalhar connosco, porque nos agradaram e eles também se sentiram enquadrados no nosso ambiente de trabalho.

CMAH – Classifique a evolução da sua arte nos últimos 20 anos ?
A. C. – Há uma parte da pastelaria que tem evoluído através dos tempos com o aparecimento de recentes matérias-primas e uma vasta informação com as novas tecnologias.
Uma outra parte – e refiro-me à doçaria regional propriamente dita, não quero mesmo que haja evolução, quero mantê-la tal como era no passado, com os ingredientes certos com os pontos de açúcar como manda a lei e moldada à mão. O Forno é uma Unidade Produtiva Artesanal desde 2006.

CMAH- Qual a sua maior fonte de rendimento a nível de clientes? Habitantes locais ou turistas ?
A. C. – Temos os nossos clientes residentes do dia à dia, habitantes locais que nos procuram também pelas épocas festivas, e contamos com certeza com aqueles que nos visitam, que são uma mais valia nas épocas altas.

CMAH – As suas vendas variam com a sazonalidade (épocas do ano, Verão vs Inverno) ?
A. C. – O Verão é sem dúvida o ponto alto das vendas, com a chegada dos turistas, dos estudantes e dos emigrantes. A fama dos nossos bolos D. AMELIA, já chegou para além da Terceira e dos Açores. São um ex-líbris da doçaria terceirense e são muito procurados por quem nos visita.
Como se sabe foram oferecidos à Rainha do mesmo nome, aquando da visita régia de D. CARLOS E D. AMÉLIA aqui à ilha em Julho de 1901. Têm a marca registada INPI, têm a certificação do CRAA e recentemente exibem o selo marca Açores Certificado Pela Natureza.
Para além destes bolos produzimos caretas, feiticeiro, cornucópias, ladrilhos espanhóis, africanos, rebuçados d’ovos, torresmos do céu, morcela doce, etc. e ainda doces de colher e bolos decorados para festas.
Alguns deles incorporam as especiarias que nos habituamos a consumir a partir da altura , em que aportavam a Angra, caravelas abarrotadas com esse género de produto que nos leva a sonhar com países longínquos e estranhos.
Mas há outras épocas festivas também importantes, pela doçaria característica a elas associadas. O Carnaval com as filhoses, a Páscoa com os folares e os derivados imaginários do chocolate e amêndoa; e o Natal nos Açores é festejado com iguarias muito diferentes de Portugal continental, não usamos guloseimas fritas como lá, Mas fazemos um bolo de natal maravilhoso com um cheirinho a especiarias e a lembrar o mel de cana que vinha do Brasil.
E o alfenim? Hoje em dia quase exclusivamente produzido na terceira é uma grande atracão para os emigrantes que vêm nele recordações do passado.

CMAH – Como analisa a continuidade e longevidade da sua área de artesanato ?
A. C. – Com muito otimismo. Felizmente a nossa doçaria já ganhou nome e credibilidade e tem futuro garantido

CMAH – Qual o fator que mais diferencia a sua arte das outras ?
A. C. – A arte da doçaria não é facilmente comparável com outro tipo de artes, a não ser com a gastronomia em geral que tem de ser agradável a vista e apreciada ao paladar.

CMAH – Se tivesse que expor o seu trabalho em algum país europeu, qual escolheria? Porquê?
A. C. – Escolheria um país onde houvesse um número apreciável de açorianos.

CMAH – Na sua opinião, como classifica os apoios dados ao artesanato?
A. C. – Considero que têm sido muito bons. As diversas instituições governamentais têm envidado grandes esforços para levar a conhecer e divulgar os produtos produzidos nos Açores, e apoiado a sua exportação, tudo isto é uma grande ajuda, na medida em que , nós individualmente teríamos dificuldade em faze-lo.

CMAH – Tem se falando muito na modernização dos processos de artesanato, concorda? Porquê?
A. C. – Não compreendo bem a modernização dos processos do artesanato. Se me disserem que é preciso inovar, criar artigos diferentes com os recursos da ilha, concordo plenamente, mas o artesanato nunca poderá ser modernizado mecanicamente, porque vai perder aquilo que tem de mais genuíno.
Por exemplo, em pastelaria, se eu adquirir uma máquina que faça as bolas dos rebuçados d’ovos todas iguaizinhas, a meu ver deixa de ser um doce artesanal

CMAH – Qual foi o momento mais feliz/marcante da sua carreira, o mais difícil e mais engraçado ?
A. C. – O momento mais feliz é sem dúvida quando reconhecem e elogiam os nossos trabalhos.
O momento mais difícil foi quando abracei o projecto de tornar a Pastelaria O Forno naquilo que é hoje em dia. O momento mais engraçado é quando no dia 24 de Dezembro todos os anos à tardinha, um grupo de amigos que andam a “correr meninos ” nos entram portas adentro a cantar “we wish you a merry christmas”.

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